TRIEB
Revista da SBPRJ









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Carta-convite: Colapso
Usei de propósito o termo ‘colapso' porque é bastante vago e porque pode significar várias coisas. (WINNICOTT)
O colapso – do latim collapsus, “cair junto”, “desabar”, “ruir” – carrega em sua raiz etimológica a ideia de queda e falência. Mas, como já indicava Winnicott (1963), também pode significar agonia, medo, ruptura, experimentação, criatividade, retomada. Em outras palavras, o colapso não é apenas o fim, uma experiência vazia, um perambular sem contato íntimo com si mesmo e com o mundo: pode ser também a condição de possibilidade de um recomeço. Neste convite à escrita, propomos pensar o colapso não apenas como ruína, mas como campo de transição – clínico, social e simbólico – onde se produzem ameaças e possibilidades, perplexidades e reinvenções.
Muitas vezes, o colapso – ou o medo dele – nos lança no território do absurdo, da perplexidade, da imobilidade psíquica. Nos planos social (com o racismo estrutural, as injustiças e violações), econômico (com a desigualdade abissal) e político (com os ataques às instituições e à democracia), a perplexidade se impõe como um colapso generalizado de vínculos, sentidos, mediações e humanidade. A violência deixa de ser exceção e se torna ato. Em meio às crises humanitárias que atravessamos – a pandemia, a violência dirigida aos povos originários, as guerras fratricidas em vários continentes, os terríveis atentados contra o povo judeu, o extermínio que hoje recai sobre o povo palestino em Gaza – colocam em questão não apenas a eficácia das estratégias políticas, mas também a consistência das mediações simbólicas tradicionais e a solidez dos laços afetivos e sociais.
Se, por um lado, o colapso aponta para a destrutividade, por outro, pode ser lido como provocação. O que exatamente está colapsando? O que se desfaz – e o que pode emergir – quando ruem os pilares de um mundo fundado sobre exclusões estruturais?
A psicanálise, nesse cenário, não é apenas espectadora. Ela também é atravessada, interpelada, desafiada. O que colapsa na tradição psicanalítica quando vozes historicamente silenciadas – negras, indígenas, trans, periféricas – passam a ocupar o centro do campo discursivo e clínico? Que verdades incômodas emergem quando essas vozes se colocam não mais como objeto de análise, mas como sujeito de enunciação e de produção teórica? Que bordas se deslocam? Que saberes se desestabilizam? Que ameaças simbólicas e sistemas defensivos emergem do medo do colapso? Que defesas são acionadas diante do temor de perder um lugar privilegiado?
Esse convite à reinvenção, que emerge da experiência do colapso, encontra ecos não apenas na psicanálise, mas também em saberes ancestrais e cosmologias afro-diaspóricas. É nesse ponto de cruzamento entre ruptura e criação que podemos convocar Exu, divindade iorubana, senhor das encruzilhadas, mestre das passagens e da instabilidade criadora. Exu interrompe o fluxo linear, provoca tropeços, desestabiliza certezas – não para destruir, mas para tornar possível o nascimento do novo. Ele compreende que é na ruptura que habita a potência da transformação. O que parece caos, sob sua regência, pode se transfigurar em aprendizado, em abertura, em reinício.
Se para Winnicott é no acolhimento do medo do colapso que pode ser retomada a continuidade do ser, Exu ensina que é no tropeço, no desvio e na encruzilhada que se abre o caminho para o inédito. Trata-se de uma travessia que exige coragem para o mergulho, para o deslocamento, para o inusitado. Como dizia Winnicott (1963), se paciente e analista desejam, de fato, que a análise chegue ao fim, precisam estar dispostos a mergulharem juntos até o fundo do poço – até aquilo que mais se teme – para que esse material psíquico possa finalmente ser vivenciado e transformado. Talvez o desafio do nosso tempo –clínico, político e ético – seja aprender a escutar o colapso. Não como fim, mas como travessia.
Porque, mais do que respostas, ele necessita de presença, de estarmos juntos;
só assim o colapso, que se anuncia em silêncio, pode tornar-se traduzível.
Os trabalhos com essa temática deverão ser submetidos à avaliação até
o diab20 de outubro de 2025, sendo recebidos exclusivamente pelo e-mail: revistatrieb@sbprj.org.br. As instruções aos autores encontram-se aqui
EDITORES: Tiago Mussi e Lúcia Palazzo
EQUIPE EDITORIAL: Cidiane Vaz Melo, Claudio Frankenthal, Daniel Senos, Evelyze Louzada, Maria Inês Tornaghi Grabowsky F. Basto, Otelo Corrêa dos Santos Filho
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Referências:
Winnicott, D.W. (1994). O temor do colapso. In D. W. Winnicott, Explorações Psicanalíticas. Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1963).
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TRIEB Racismo, volume 20, nº2, 2021
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