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A separação dos pais e o coração das crianças

O mundo das crianças é, naturalmente, presidido pelos pais. E, quando acontece a separação do casal, as crianças podem experimentar sentimentos para os quais não estão preparadas emocionalmente. Algumas podem se sentir irritadas, ansiosas, desamparadas, confusas, inseguras e até mesmo culpadas. É comum também regredirem em seu comportamento: podem passar a fazer xixi na cama, ter pesadelos, ou ficarem agressivas; podem se retrair socialmente, ou apresentar dificuldades na alimentação, problemas escolares e até depressão.


É bom lembrar que as crianças nem sempre conseguem expressar em palavras o que estão sentindo. É comum se comunicarem por meio de sintomas físicos como, por exemplo, dor de cabeça, dor de barriga, dores no corpo. Uma forma de dizer que algo dói!


Corpo e mente funcionam em conjunto. Às vezes, a imunidade baixa. Com isso, a criança adoece, fica mais resfriada, apresenta dor de garganta. É um sinal de alerta do organismo de que algo não vai muito bem. Por ainda não terem um aparelho psíquico competente para suportar o processo, acaba por surgir no corpo à dificuldade. É um sinal de que precisam conversar sobre o assunto.


A forma como os pais lidam com a separação pode ajudar os filhos a passar por este momento de forma mais positiva. Deste modo, se o respeito entre o casal prevalece, é possível que as crianças consigam administrar melhor a confusão interna durante este período.


Pai e mãe serão sempre referência para seus filhos, e é o ambiente circundante que torna possível o desabrochar da criança. A construção da ideia de duas casas, a casa da mamãe e a casa do papai, pode ser feita de forma lúdica com os pequenos, e a maneira como essa questão será conversada com cada um precisa levar em consideração a idade da criança. O filho precisa de uma confiabilidade ambiental mínima para que se dê o desenvolvimento emocional infantil em seu potencial – e isso passa pela segurança e confiança em seus pais.


Se o casal parental se apresenta muito disfuncional, ou seja, onde a maturidade e o respeito mútuo não prevalecem, fica mais difícil para os pequenos. As confusões causadas pela dificuldade na construção de um casal parental funcional podem ocasionar graves distorções no mundo interno infantil, levando ao adoecimento físico e mental.


No trabalho com crianças e famílias em litígio, observa-se que nos casais disfuncionais há pouco conhecimento ou até mesmo o total desconhecimento sobre os próprios sentimentos. Portanto, desconhece-se também o sentimento do outro. A dor da separação não pode ser sentida e muitas vezes surge em forma de vingança explícita ou velada. Nota-se, neste caso, grande dificuldade de pensar. Estes ex-casais, na ânsia de produzir provas para imputar no outro o lugar de culpado para a separação conjugal, acabam por misturar as próprias dificuldades emocionais com as dos filhos – e os deixam perdidos. E, muitas vezes, as separações não ocorrem apenas entre quatro paredes: passam a fazer parte dos corredores do Fórum, dos escritórios de advocacia, dos consultórios e até das delegacias.


A experiência nos mostra que, com a separação, há casos em que os “nossos” filhos passam a ser “meus” filhos, tirando destas crianças a possibilidade de exercer o amor parental pleno. Há que se entender que o filho é fruto de dois, duas pessoas, dois DNAs, duas personalidades, duas vivências. E, principalmente, de um amor que em algum momento uniu duas pessoas.


A lealdade, quando exigida do filho por um dos pais no momento da separação, fere o coração da criança fazendo com que ela se sinta dividida e incapaz de demonstrar seu amor, ensinando-a desde cedo a mentir, dissimular e ocultar seus sentimentos. Não podemos confundir a conjugalidade (de responsabilidade dos pais ou parceiros) com a parentalidade, cargo vitalício e do qual não podemos renunciar, sob pena de causarmos uma ferida irreparável na base que estrutura o crescimento emocional e físico de nossos filhos.


Se a criança conseguir compreender que a separação ocorre somente entre o casal e que continuará tendo o pai e a mãe, ficará mais fácil lidar com os (re)-arranjos da nova realidade. E, por fim, se os filhos percebem que os pais administram bem a separação, enfrentam com realidade os novos desafios, será este o melhor modo de oferecer às crianças a sensação de que a vida continua e, portanto vale a pena ser vivida.


Renata Bento, psicóloga, especialista em criança e família pela PUC/RJ, psicanalista, membro associado da SBPRJ, perita em vara de família e assistente técnica em processos judiciais.


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