Texto de Liana Albernaz para "Psicanálise e Democracia"
As encruzilhadas da psicanálise e da democracia no Brasil
Liana Albernaz de Melo Bastos
Membro efetivo da SBPRJ. Professora Adjunta da UFRJ.
Abre, abre, abre, abre o caminho (deixa o Exu)
Abre o caminho, deixa o Exu passar
Abre o caminho, deixa o Exu passar
Ih, que que eu tô fazendo aqui?
Mais de sete dias sem dormir
Da lama ao caos, Nação Zumbi
Não foi pedindo licença que eu cheguei até aqui
(Baco Exu do Blues)
As encruzilhadas, presentes no imaginário afro brasileiro, podem nos conduzir na articulação de elementos dialéticos que, até então, não conversavam. Enredo da escola de samba Grande Rio, em 2022, vencedora do Carnaval, Exu abre nossos caminhos. Neste momento, no Brasil, com a democracia em risco, a psicanálise, na voz dos psicanalistas, não pode mais se calar.
Embora tenhamos no Brasil vivido 21 anos de uma ditadura militar, poucos foram os psicanalistas que a denunciaram e, perseguidos aqui não foram ouvidos pela IPA. (Vianna, 1994). A Europa fez ouvidos moucos. A Psicanálise que nasceu em Viena no clima da social democracia com entusiástico desejo de promover mudanças sociais ( Danto, 2019) foi duramente atingida pelo nazismo e teve sua história recalcada. Apenas em 1985, em Congresso da IPA realizado em Berlim, é que vieram à tona os nomes dos analistas assassinados, presos, emigrados pelo nazismo e dos colaboracionistas do regime.
O nazifascismo que parecia derrotado começou a reemergir, nos últimos anos, em todo o mundo, nas ondas de crescimento da extrema direita. No Brasil, o restabelecimento da democracia com a Constituição de 1988 nos permitiu que, finalmente pudéssemos respirar com mais liberdade. O impeachment da presidente Dilma Roussef mostrou que nosso fôlego ainda era curto. A eleição de Jair Bolsonaro e todo o cortejo de desmantelamento do que havia sido duramente conquistado nos fez regredir aos tempos sombrios. Suas constantes ameaças golpistas nos fazem temer agora, diante de sua quase certa derrota nas urnas, que sejamos lançados num abismo de ódio e violência com a ruptura do estado democrático de direito.
Em “Por que a guerra?” Freud, respondendo a Einstein, trata do surgimento do direito como uma resposta à violência. “A violência é quebrada pela união e agora o poder destes (fracos) unidos constitui o direito em oposição à violência do único. O direito é o poder de uma comunidade.” Mas para que tal se dê, diz Freud, “a comunidade deve ser conservada de maneira permanente, deve organizar-se, promulgar ordens, prevenir as sublevações temidas,instituir órgãos que velem pela observância daquelas- das leis – e tenham a seu cargo a execução dos atos de violência de acordo com o direito.”(Freud, 1933[1932]/1976a, p.191). Entretanto, nos le